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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

PENSAR OU MATAR?





          Ao apostar que alguém consegue pensar antes de cometer um ato violento, a campanha “Conte até 10” torna-se paradoxal, pois propõe que o sujeito faça  justamente o que é irrealizável
No início de novembro, entrou em vigor a campanha “Conte até 10”, organizada pelo Conselho Nacional do Ministério Público em parceria com o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional de Justiça. O objetivo é combater assassinatos por motivo fútil –  matar por uma briga, por ciúme, por discussão no trânsito, por homofobia, por intolerância religiosa, por racismo ou por vingança. É uma aposta na lógica da conscientização no que diz respeito a barrar o ato impensado.
A campanha considera, assim, o fato de contar até 10 como uma espécie de tempo para pensar a sua ação antes de colocá-la em ato. Perguntamo-nos: “Será a consciência capaz de barrar o ato criminoso?”
Freud já no início do século passado nos alertava para os limites da consciência em pleno movimento filosófico da primazia da consciência.
Mais tarde, o psicanalista Jacques Lacan contrapunha a máxima cartesiana “penso, logo existo” à afirmação de que “existimos onde não pensamos”.
Essa inversão aponta outra lógica, não da consciência, mas
do inconsciente. Assim, podemos considerar, ao invés de uma mera contagem, precisamos é calcular. Nesta matemática, temos que computar a existência do outro: “o outro como alteridade”. A agressividade advém do erro do cálculo. Quando o outro não faz parte do conjunto como um diferente de mim, dá-se a passagem ao ato. É uma relação mortífera na qual está ou eu, ou o outro. Tal qual Freud nos aponta em Totem e Tabu, do assassinato do pai da horda primeira, assim, a sociedade para não se auto exterminar precisou fazer funcionar o Simbólico. É através da palavra que os sujeitos constroem o tempo, tempo necessário de pausa entre o ato e o (diz) ato.
A campanha "Conte até 10" tem o seu valor: R$ 370 mil e a colaboração dos lutadores de MMA  Anderson Silva e Júnior Cigano e os judocas medalhistas olímpicos Sarah Menezes e Leandro Guilheiro. E pode funcionar como alerta. Mas ao buscar controlar o ato impensado, apostando que enquanto se conta, é possível pensar antes de atuar, torna-se paradoxal. O que a campanha propõe que o sujeito efetive, é justamente onde está o irrealizável para ele. Ao propor que o sujeito conte, o que se está querendo é que ele institua um “tempo simbólico” que irá barrar a passagem ao ato.
Mas, a questão do ato é esta: aquilo que o sujeito não consegue simbolizar – o que ele não consegue passar pela palavra, ele realiza no ato. Será que, ao darmos as “palavras” ao sujeito ele se apropriará destas, e, tal qual Ali Babá ao proferir “Abre-te Sésamo!”, conseguirá ultrapassar o desejo de matar e adentrar as profundezas de sua caverna, retornando com suas preciosidades? Será que contar até dez é suficiente?



Lisiane Fachinetto e Maralice Neves


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